Parte 1

Héterazinha escrota. Dessas que se acham espertinhas, mas só sabem brincar com fogo. Ela era do meu grupo da faculdade — tecnicamente uma mulher feita, mas com o comportamento mimado de uma adolescente birrenta. Tinha um gênio difícil, era respondona, irônica, e o pior: adorava provocar.

Nunca soube direito qual era a dela. Nunca ninguém viu ela ficando com mulher, pelo menos não que a rádio-corredor tenha comentado. Mas vivia atiçando as meninas. Com a maioria — todas héteras, quase sempre — era só uma gracinha inofensiva, um selinho rápido, um aperto fingido no peito de alguma distraída… e pronto. Passava.

Mas comigo era diferente. Comigo, a filha da puta fazia questão de ultrapassar todos os limites. Sentava no meu colo sem aviso, escorregando devagar até encaixar a bunda, jogando o cabelo pro lado e fingindo que era só brincadeira. Colava o rosto no meu pescoço e soltava aquele sopro quente, aquele hálito doce, que me arrepiava inteira. Me abraçava por trás, forte, pressionando o peito no meu, como se fosse um gesto de afeto. Mas era tudo calculado. Ela sabia. Sabia o efeito que tinha em mim.

E quando eu tentava apertar o cerco, quando eu puxava pra um canto e perguntava na cara dela: “qual é a tua?”, a safada fugia. Ria, fazia piada, me deixava falando sozinha. Uma vadiazinha dissimulada, encantadora e perigosa. Uma presença que bagunça tudo, que entra na tua vida como quem não quer nada… e quando você vê, já tá sonhando com o gosto de sua boca.

É claro que eu era doida nela. Obcecada. Cada siririca minha tinha o nome dela estampado no meio das coxas. Ela sabia. Sabia muito bem o poder que tinha sobre mim. Brincava com isso. Provocava de propósito, com aquele sorrisinho torto e aquele jeito abusado que me deixava fora de mim.

Mas naquela noite eu tava diferente. Animada. Possuída. Ia ter encontrinho na minha casa e eu já tinha decidido: hoje ela não ia escapar. Se ela achava que podia brincar comigo, então ia descobrir como é bom me provocar. Eu ia agarrar ela no braço, puxar pro meu quarto e deixar claro: hoje tu não foge. E se precisasse apelar… eu ia jogar sujo. Embebedar ela, deixar ela mole, entregue. Mas ela ia me dar aquele beijo que vivia me devendo. Nem que fosse um só. Mas ia ser meu.

As meninas foram chegando com sacolas, comida, refrigerante, umas garrafas de pinga escondidas. As mais folgadas racharam umas pizzas de última hora. E ela, claro, apareceu como quem não quer nada — linda, com aquele andar que parecia provocação — e trouxe duas garrafas de vinho tinto, do bom. Eu sabia, era a bebida preferida dela.

— Trouxe pra beber com você — ela disse, me encontrando no corredor. Olhos brilhando, sorriso malicioso.

— E por que a gente não bebe na minha cama, gostosa? — falei direto, do meu jeitão. Eu sou vulgar mesmo, não faço a linha boazinha.

Ela riu, mas tentou recuar

— Eu não gosto de mulher, já falei.

Cheguei mais perto. O corredor parecia estreitar a cada passo, o ar mais denso, pesado, como se o tempo também segurasse a respiração. Nossos corpos quase se tocando, ela parada ali, linda, com aquele olhar que sempre me desmontava. Inclinei a cabeça, firme, mantendo os olhos nos dela.

— Eu não preciso que você goste — sussurrei, a voz baixa, carregada. — Pra mim, não faz diferença.

Mentira. Fazia toda a diferença. Mas eu precisava fingir o controle que já tinha perdido há tempos.

Ela não respondeu. Só me olhou, ainda mais perto, com um sorriso que parecia escorrer dos lábios como vinho. E foi nesse instante — entre o cheiro doce do cabelo dela e o calor do seu hálito contra a minha pele — que tudo pareceu possível. Seus lábios estavam ali, tão próximos que eu só precisava me inclinar um pouco mais…

Mas eu congelei. Era o efeito que ela tinha sobre mim. Enquanto eu endurecia, tentando me decidir entre o impulso e o orgulho, ela escapou. De novo. Com aquela leveza debochada, desapareceu pelo corredor e voltou pra sala, como se nada tivesse acontecido.

E eu fiquei ali, mordendo a vontade, sentindo na pele o gosto amargo da provocação.

E molhada.

O álcool, como sempre, cumpriu seu papel. Foi soltando as línguas, esquentando os corpos, deixando tudo mais borrado e permissivo. As meninas riam alto, falavam besteira, tropeçavam nos próprios copos. Uma já tinha se jogado no sofá e cochilava abraçada num travesseiro que nem era dela. Outra correu pro banheiro e trancou a porta. Pelo som do vômito, já sabia que não voltava tão cedo.

E eu?
Eu fiquei ali. Rindo das piadas dela. Fingindo leveza enquanto ela ainda me lançava olhares e insinuações. Ainda me atiçava, mesmo sem saber. Ou talvez sabendo demais.

Já tinha quase me convencido de que seria mais uma noite perdida. Que, como sempre, ela escaparia no último segundo, me deixando com a boca seca e oas coxas úmidas. Mas aí… todas foram indo embora. Umas de Uber, outras cambaleando com mochila nas costas. E só ela ficou.

Só ela.
A única.

Mas havia algo diferente agora. Ela estava mais quieta. Esquivava o olhar, evitava contato. Não era mais a pirralha abusada de sempre. O brilho provocador tinha sumido do rosto, e o que restava era uma tensão estranha no ar, um medo talvez, ou um receio que eu não sabia nomear.

— Onde eu vou dormir? — perguntou, hesitante, a voz mais baixa que o normal. — Não queria pegar um Uber sozinha, tá tarde…

— Na minha cama — respondi seca, direta.

— Para com isso… — ela desviou os olhos. — Eu não vou te dar.

— Vai sim — falei sem piscar.

Ela olhou para o lado, como se procurasse uma saída, alguém que fosse salvá-la daquela situação. Mas não havia mais ninguém. Só eu, só ela, e a casa vazia.

Respirei fundo, suavizei o tom.

— Para de drama, garota. Eu não vou fazer nada… vem. Minha cama é de casal. Cabe você… e esse bundão gostoso aí.

Ela riu sem graça, desconfiada, mas aceitou. Passou por mim como quem atravessa uma fronteira perigosa. Ela não fazia ideia da maldade que ainda estava por vir.

Eu deixei ela tomar um banho, escovar os dentes e se arrumar para dormir — gracinhas? Ela não fazia mais nenhuma. — Eu segui fazendo o mesmo, me preparei para dormir como um dia qualquer.

No quarto, a gente se ocupou em escolher travesseiros e arrumar a cama. Ela escolheu o lado dela com todo o cuidado de quem queria manter distância, e só as luzes suaves dos abajures deixavam o ambiente mergulhado num dourado aconchegante.

Se acomodou ao meu lado, mas longe o suficiente pra fingir que não queria nada. Corpo rígido, olhar amendrontado, como se cada movimento meu fosse uma ameaça. E então, do nada, virou o rosto na minha direção com uma expressão que misturava alívio e nervosismo:

— Caramba… achei que você ia me agarrar. Muito legal da sua parte me respeitar assim.

— Mas… quem te disse que eu não vou? — soltei, sem desviar o olhar.

— Vai? — ela engoliu seco, a voz falhando. — Vai nada… não faz isso.

— Você não fica me provocando o tempo todo?

— Mas é só brincadeira — respondeu rápido, como quem se desculpa por um crime.

A paciência que eu vinha alimentando a noite inteira simplesmente estourou. Aquela falsa inocência, aquela covardia camuflada de humor… era insuportável. Pulei em cima dela de repente em uma montada, segurando pelos braços e forçando um beijo que ela desviava entre risos — não sei se de nervoso, de tesão ou de puro desespero.

Ela se contorcia debaixo de mim, tentando escapar da minha boca, mas não de um jeito firme. Era um recuo ambíguo, cheio de riso contido e olhos arregalados. Eu sabia que estava cruzando uma linha. Mas eu também sabia ler sorrisos — e enquanto tivesse um estampado ali, eu ia seguir.

— Tá… vamos negociar — falei, ainda ofegante.

Ela parou, me olhando com uma mistura de desafio e rendição.

— Eu te dou um beijo — disse, séria. — Só um. Se você não gostar, eu paro. E a gente dorme.

— O problema não é eu não gostar… — ela riu, nervosa, mordendo o canto da boca. — O problema é eu gostar.

Eu a beijei.

Segurei seus pulsos com firmeza, prendendo-os contra o colchão, sentindo os músculos do braço dela ainda tentando se libertar.
A resistência fazia parte do jogo. Aquela hesitação nervosa, os olhos arregalados, o corpo meio rígido — e mesmo assim, não gritava, não me empurrava com força. Era como se estivesse testando seus próprios limites, curiosa demais pra recuar de verdade.

A boca dela era quente, macia, meio trêmula no começo. Ela virou o rosto de leve, tentando escapar, e eu fui atrás, com a boca colada, roçando os lábios devagar, provocando, dando o tempo que ela precisava pra sentir.